Desde que o Porsche Cayenne provou que dá para fazer um SUV gigantesco com pegada esportiva, todas as marcas de luxo foram atrás. A Audi há anos tem SUVs, mas só arriscou se intrometer no território do primo em 2018 com o lançamento do Q8. Ele assumiu o posto de topo de linha da marca, mas isso lhe causou múltiplas personalidades.
Tal qual o(s) personagem(s) de James McAvoy no filme Fragmentado, o Audi Q8 consegue se transformar em carros de comportamentos completamente diferentes ao apertar de um botão. Ao mesmo tempo em que cumpre diversos papéis dentro da linha Audi. Por R$ 699.990, a versão Performance Black mostra esse lado multifacetado do modelo.
Jamanta
O que mais impressiona no Audi Q8 é seu tamanho. Ele não parece tão grande nas fotos quanto verdadeiramente é ao vivo e ao volante. São proporções semelhantes aos salsichões alemães quando comparados às tímidas salsichas brasileiras que você encontra no açougue do supermercado no Brasil.
Com 4,99 m de comprimento, ele é só 25 cm mais curto que uma Volkswagen Amarok. Já os 1,99 m de largura o tornam 5 cm mais bojudo que sua prima caminhonete, mas a altura de 1,70 m o deixa só 9 cm mais alto que um Q3, o menor SUV da Audi. Ou seja, medidas de uma jamanta, mas proporções de um esportivo: longo, largo e baixo.
O disso é um visual estonteante. O Q8 parece um carro forte, não no sentido de robustez, mas no de cavalaria, potência e esportividade. A dianteira com grade frontal gigante integrada aos faróis dá um olhar agressivo que faz qualquer um abrir passagem ao ver o Audi pelo retrovisor. Mas a traseira truncada e com vidro bem inclinado trazem a ele uma pegada cupê bela.
Junte isso às elegantes lanternas conectadas e fica fácil entender o motivo pelo qual o Audi Q8 continua a chamar atenção nas ruas mesmo sendo um carro com quatro anos de lançamento. Ok que esse modelo testado no Laranja Dragão também ajudava um pouco a colocar os holofotes sobre ele. Um Porsche Cayenne não chama mais tanta atenção assim.
Paizão
Parte dessas proporções generosas criam dois efeitos no Audi Q8: muito espaço interno e dinâmica de gente grande. Tudo bem que não terá os sete lugares como existe no Q7, mas os cinco passageiros que cabem no Q8 serão muito bem atendidos. O SUV é espaçoso nos quatro cantos e ninguém vai reclamar disso.
Na frente, ajustes elétricos para tudo, desde os bancos até o volante e retrovisores. Aliás, o banco e o volante se afastam para facilitar sua entrada. Só não tem memória para o banco dos passageiros. Atrás, os bancos deslizam sobre trilhos e contam com alavanca para regular a inclinação do encosto, mas que fica mal posicionada e é pouco visível.
O tamanho extra largo do Q8 fica claro ao perceber que o console central é tão largo que caberia facilmente uma pessoa sentada ali. Ele é alto e divide a cabine em duas zonas individuais para motorista e passageiro. A vantagem é que há bastante espaço para cacarecos variados por ali.
Atrás, mesmo quando há um motorista alto, o passageiro traseiro consegue cruzar as pernas. Eu tenho 1,87 m de altura e sentei atrás da minha posição para dirigir. Havia espaço de sobra para as pernas, mas também para a cabeça, apesar de o Q8 ter estilo cupê. Só é curioso um carro tão novo ter cinzeiros nas portas traseiras – talvez por conta do mercado chinês.
E tudo nele é grande: o volante é maior do que precisava, a manopla de câmbio também, as telas e até alguns botões. Aliás, as telas merecem grande destaque. O painel de instrumentos é bem completo, com ótima definição e mudanças rápidas de menus, algo que não acontece em todos os modelos com cluster digital.
Já a central multimídia é referência em facilidade de uso e velocidade de navegação. O mais legal é que ela e a tela do ar-condicionado precisam ser pressionadas como um botão físico para funcionar (fora do Android Auto e do Apple CarPlay). Isso ajuda a dar certeza sobre o local em que está clicando. Até o barulho é igual ao de um botão físico.
Na tela do ar-condicionado, o Q8 tem diversos atalhos e gestos que podem ser feitos para comandar mais rapidamente o sistema. Basta arrastar a barra de temperatura para um ponto exato para selecionar o grau ou juntar os dois dedos como se tirasse o zoom de uma foto para sincronizar as temperaturas. Genial.
Smartphone
Mas não é só sobre telas o Audi Q8. Ele é bem recheado de tecnologias e mimos para agradar aos passageiros. A mais interessante de todas é a visão noturna, a qual permite enxergar pessoas a noite pelo painel de instrumentos mesmo em regiões muito escuras e em áreas que o farol não alcança.
Ele tem piloto automático adaptativo que funciona com maestria e precisão, tal qual o sistema de manutenção em faixa. A lista de itens de série ainda agrega vetorização de torque, câmeras 360° com função 3D, controle de tração e estabilidade, seis airbags, frenagem autônoma de emergência, alerta de tráfego cruzado, ar digital de quatro zonas e chave presencial.
O porta-malas abre eletricamente, mas não somente a tampa: a cobertura que esconde suas compras e malas também é retrátil eletricamente e funciona em silêncio e de maneira tão sutil que você nem percebe que ela foi aberta ou fechada. Vale destaque ainda para itens como park assist, alerta de ponto cego e lavador de faróis.
Biblioteca
Se até agora algumas das personalidades do Audi Q8 convergem para uma mesma direção, ao volante tudo muda de acordo com o modo selecionado ou o estilo de condução. Debaixo do capô reside um motor 3.0 V6 de 340 cv e 51 kgfm de torque gerenciado por uma transmissão automática de oito marchas.
Em modo Efficiency, o Q8 é o lorde da economia e do silêncio. Engole as marchas como se fosse um jovem no McDonald’s após uma balada regada a muito álcool. A rotação vive baixa e o silêncio na cabine impera. Nesses momentos ele supera os 7 km/l, que foi a média obtida durante os testes que envolveram cidade, estrada e os outros modos.
Em Comfort, o Q8 fica um pouco mais comedido na hora de engolir marchas, mas segue silencioso, pacato e elegante, com trocas imperceptíveis. É essa a melhor combinação para passeios longos e estrada. Como o SUV é bem isolado acusticamente, terá um carro que roda como um tapete mágico de maneira serena previsível.
É um verdadeiro cruzador de quilômetros. Pena que a posição de dirigir seja um pouco esquisita. Ele é um SUV, então é mais alto que a média. Contudo, a construção da cabine e o volante grande te fazem sentar mais baixo que um utilitário. É um jogo de dois lados opostos brigando e que não produzem um resultado perfeito. Mas o banco é confortável, pelo menos.
Há também de pontuar que o acelerador tem um incômodo delay em qualquer modo de condução. Você pisa e o Q8 demora alguns segundos para processar que você quer sair. Fica aquele sentimento de: “vamos, meu filho”. Só que ele não nega fogo nunca, sendo um carro bastante forte nas acelerações.
Destaque também para o sistema start-stop o qual desliga o motor próximo da parada total. O Renault Kwid também faz isso, mas o Q8 tem uma sublime suavidade na qual torna o processo de ligar e desligar o motor tão imperceptível que esse é um dos primeiros start-stop que mesmo os motoristas mais chatos não vão desativar. Até porque nem perceberão ele atuando.
Rolo compressor
E é justamente no modo Dybamic que ele mostra sua veia esportiva. O V6 ronca alto, acelera forte e te faz grudar no banco. Consegue entender como um SUV enorme de duas toneladas (2.270 kg) chega aos 100 km/h em 5,9 segundos? Em linha reta, ele dispara com toda força e ímpeto de um hatch compacto.
A questão do peso reflete na hora das curvas. O Q8 tem muita massa para lidar e ele joga todo seu peso nas curvas fazendo a frente querer sambar um pouco em alta velocidade. Só que a tração quattro consegue fazer o Audi contornar curvas muito mais rápido do que deveria e sem fazer o pneu cantar. É bom de curva, mas chega ao limite fácil.
Ele só não é mais rápido e ágil em uma estrada sinuosa porque é um carro grande demais e pesado demais. Se fosse elétrico teria centro de gravidade mais baixo por conta das baterias e poderia lidar melhor com essa dinâmica. Nesse caso, o Porsche Cayenne ainda tem algumas lições para ensinar ao seu primo.
A direção é mais pesada que a média, pendendo para o lado esportivo, apesar de passar pouco feedback do asfalto. Contudo, por ser rápida e ágil, faz a manobrabilidade e a dinâmica em alta velocidade algo bastante apurado. Isso faz com que, mesmo sendo enorme, o Q8 consiga mudar de trajetória na mesma rapidez de um hatch compacto apimentado.
Outro ponto é a suspensão. Ela é confortável para estradas e ruas bem asfaltadas. Mas o Q8 é um SUV que não gosta de buraco ou off-road. Ele reclama de imperfeições, bate seco e faz barulho ao atingir um buraco. Se comporta da mesma maneira que um sedã alemão típico nos buracos, ainda que incline mais do que deveria nas curvas.
Veredicto
Grande demais, luxuoso e bonito, o Audi Q8 consegue ainda ter o fator Uau mesmo depois de quatro anos de estrada. Ele se propõe a ser esportivo, mas não está no mesmo nível do Porsche Cayenne. Só que não há problema nisso: afinal quem quer o Cayenne, que vá na Porsche – ou na Lamborghini atrás do Urus.
A pegada é outra: quer um carro confortável para dirigir muitos quilômetros sem cansar? O Audi é assim. Gosta de abusar da aceleração e fazer curvas sinuosas? O Q8 vai bem nessa tarefa também, apesar de não ser referência. São muitos modelos em um, muitos Audi em um. E ainda totalmente fora do típico padrão da marca de porte, já que parece um SUV americano.
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