Quando pensamos em carros lendários, a maioria das pessoas conta alguma história relacionada com os VW Fusca e Gol, Chevrolet Chevette e Opala, ou até mesmo com o Ford Corcel. Porém, o Fiat Uno é um carro bem mais moderno que alguns modelos dessa turma, e também é lembrado com carinho por boa parte dos brasileiros.
Na minha família, diversas pessoas tiveram um Fiat Uno para chamar de seu. Meu pai mesmo teve alguns, mesmo sendo fã declarado da Volkswagen. E, curiosamente, ele teve alguns Fiat Prêmio, o sedã do Uno. Brinco que meu pai é a pessoa que mais teve Prêmio no Brasil, mesmo torcendo o nariz para os modelos da Fiat.
E, há quase 40 anos, em agosto de 1984, essa história começava a ser escrita no Brasil. Lançado na Itália em 1983, o Uno era uma grande aposta da Fiat e que fez um relativo sucesso por lá, mas foi no Brasil que ele encontrou seu lugar na história e se tornou imortal. Não por nunca ter saído de linha, já que isso aconteceu duas vezes. Mas sim pelo seu legado.
Sucessor do 147
Quando o Uno europeu foi lançado, em 1983, a Fiat ainda era uma marca nova no Brasil, com cerca de 10 anos de trajetória. O 147 era o hatch da marca na época, e mesmo tendo um público cativo, a marca percebeu que precisava de um novo produto.
Moderno, com grande espaço interno, graças ao bom aproveitamento da cabine, o Uno foi o escolhido para suceder o 147. Na época, os lançamentos de carros eram escassos no Brasil, e muitos modelos estavam há décadas por aqui, como o Opala e o Fusca.
Portanto, ter um carro novo feito no Brasil, e só um ano depois de seu lançamento internacional, era algo raro e digno de nota. E o Uno brasileiro era praticamente idêntico ao europeu. A maior mudança foi no capô dianteiro. Como o modelo feito em Betim (MG) usava a mesma arquitetura de suspensão traseira do 147, o estepe precisou ser acomodado no cofre do motor. Com isso, o capô precisou ser mais alto, com 15 mm a mais que o do italiano.
Mesmo assim, o Uno representava um enorme salto em relação ao 147. A ergonomia, o espaço e o design eram melhores que no antecessor, e o Uno começava a chamar a atenção. No início, só havia duas opções de motor: 1.05 de 52 cv e 7,8 kgfm, além do 1.3 de 58,2 cv e 10 kgfm, no modelo a gasolina, e 59,7 cv e 10 kgfm, no modelo a etanol.
Família Uno
Lembra do Prêmio que citei no começo? Pois bem, ele surgiu em 1985, para ser o sucessor do Oggi, o sedã do 147. Coube ao três volumes estrear o motor 1.5 Sevel, que era uma associação entre Fiat e Peugeot na Argentina, e desenvolvia 71 cv na versão a etanol, com 12,3 kgfm de torque. O Prêmio também usava o motor 1.3 do Uno na versão de entrada, e uma de suas principais características era o amplo porta-malas, de 530 litros.
Um ano depois, em 1986, a Fiat apresentou a Elba, a perua do Uno. Melhor desenhada que a antecessora Panorama, ela também tinha um grande espaço para a bagagem, com até 610 litros de capacidade até o topo do banco traseiro.
Último projeto derivado do Uno, o Fiorino surgiu em 1988 como picape e furgão. Este segundo, chegou a ser exportado para a Europa até os anos 2000, com direito a motor diesel, volante no lado direito, para a Inglaterra, e versões equipadas com freios ABS e airbag para o motorista.
Esportivo
O primeiro Uno com um tempero a mais surgiu em 1987. Naquele ano, a Fiat lançou o modelo 1.5R, com o mesmo motor a etanol do Prêmio, mas com o comando de válvulas retrabalhado, além de uma taxa de compressão maior e carburador de corpo duplo. Com isso, ele entregava 86 cv e 12,9 kgfm, elevando o desempenho do Uno.
A outra versão esportiva do Uno, a 1.6R, surgiu em 1990, com o motor de maior cilindrada entregando um pouco mais de potência, com 84 cv, na versão a gasolina, e 88 cv, no modelo que queimava etanol. Em 1993, a potência aumentou para 92 cv, por conta da introdução da injeção eletrônica, mas apenas o motor a gasolina passou a ser disponibilizado.
Turbo
O Uno mais lendário de todos surgiu em 1994, com o Uno Turbo sendo lançado no Brasil, nove anos depois do primeiro modelo italiano. Equipado com o motor 1.4 turbo, com turbina Garret T2 de 0,8 bar, ele tinha 118 cv e 17,5 kgfm de torque. Foi o primeiro carro turbo de fábrica do Brasil, tinha velocidade máxima de 195 km/h e aceleração de 0 a 100 km/h em 9,2 segundos.
Além da potência maior, o Uno turbinado tinha um visual exclusivo, com para-choques mais esportivos, saias laterais, molduras nas rodas, suspensão 10 mm mais baixa, rodas exclusivas e freios a disco na dianteira herdados do Tempra. O Uno Turbo durou pouco, saindo de linha em 1996, mas até hoje é um dos modelos mais cobiçados do hatch.
Plano de aposentadoria
Nos anos 1990, o Uno ainda vendia bem, mas seu projeto já dava sinais de cansaço. Principalmente porque em 1994, a Chevrolet lançou o moderno Corsa e deixou toda a concorrência desatualizada da noite para o dia. O VW Gol de segunda geração também surgiu neste ano, sem contar a invasão de importados que havia naquela época.
O Uno já tinha assumido um outro caráter durante aquela década. Em 1990, por conta do programa dos carros 1.0, o Uno Mille estreava pouco tempo depois do plano imposto pelo governo, que reduzia o IPI para carros de até 999 cc. A Fiat sempre teve o motor 1.05 na linha, e bastou reduzir um pouco o curso dos pistões para que ele se tornasse um 1.0 de 48 cv e 7,4 kgfm de torque.
Até 1994, o Mille usava carburador, mas em 1995 ele passou a ter motor 1.0 com injeção eletrônica, com potência de 58 cv e 8,2 kgfm de torque. Desde 1990, o Uno tinha ganhado uma repaginada no visual, com a frente baixa, mas o Mille só recebeu o visual alguns anos depois.
Dessa forma, estava claro para a Fiat que o Uno poderia ser um modelo de entrada, com o sucessor Palio ocupando o lugar dos antigos modelos 1.5 e 1.6, além de seus derivados ocuparem o posto de Elba, Prêmio e Fiorino. Porém, a ideia era que o Uno, agora somente como Mille e 1.0, ficasse somente algum tempo junto com o Palio.
Uno imortal
Na prática, o que se viu foi um caminho quase interminável para o Uno. Rebatizado como Mille, ele conviveu com o Palio até sair de linha em 2013, sendo por muitos anos o carro mais barato do Brasil.
Símbolo de robustez, economia de combustível e compra acessível, o Uno passou a ser usado também como carro de trabalho, com direito a escada no teto e o mito de que, com esse acessório, ele se torna o carro mais rápido do mundo.
Em 2004, 20 anos depois de seu lançamento, a Fiat fez a maior mudança visual do hatch, com nova dianteira e traseira, além de um tapa no interior. E assim, sem mais grandes mudanças visuais e a introdução da versão aventureira Way, o Uno (ou Mille) seguiu em linha por mais nove anos, até sair de linha no fim de 2013.
Para marcar o fim do modelo, a Fiat fez uma série de despedida, a Grazie Mille, com pintura exclusiva e apenas 2 mil unidades fabricadas. O fim do Uno original só aconteceu por causa da lei da obrigatoriedade do airbag e ABS a partir de 2014. Não fosse por isso, era bem capaz do modelo seguir em linha por mais alguns anos.
Nesse momento, você deve estar se perguntando que esqueci do Uno de segunda geração, lançado em 2010 e descontinuado em 2021, também com uma série especial. Não me esqueci dele, mas vamos combinar que, apesar do nome, ele não tinha nada a ver com o Uno dos anos 1980, mesmo sendo bastante carismático e um carro bom e moderno, para a época de seu lançamento.
Uno, o Fusca da Fiat
No entanto, nenhum outro modelo da Fiat conseguiu chegar perto do carisma e da importância do Uno original. Mesmo sendo simples e bastante espartano em seus últimos anos, ele tem até hoje uma legião de fãs. Além de ser um verdadeiro trator. Entre em qualquer trilha do Brasil e, no ponto mais complicado dela, você vai encontrar uma casa com um Uno ou um Fusca. Ou talvez os dois.
Por isso, o Uno é o carro da Fiat que mais chega perto do Fusca. Talvez, possa até ser considerado uma espécie de besouro mais moderno, mas com motor dianteiro e a água.
Afinal, o botinha ortopédica é tão carismático quanto, além de ser extremamente robusto. Certamente que a marca italiana apostava no sucesso do carro quando foi lançado por aqui, em 1984. Mas nem o mais otimista executivo da Fiat imaginava o tamanho do sucesso que o Uno fez em terras brasileiras.
Gosta do Fiat Uno? Tem alguma história com ele? Escreva nos comentários a sua opinião!