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Coluna do Tio Edu

Os cinco carros mais exóticos que eu já dirigi

Existem carros que mexem com o coração, mas os exóticos são até inimagináveis de ver e de dirigir, como conta o Tio Edu na coluna de hoje

Ford Escort RS Cosworth azul correndo na pista
Ford Escort RS Cosworth [divulgação]

Vamos definir o que são os carros exóticos. Meu intento, hoje, é destacar o que tive a oportunidade de testar ao longo da minha carreira que “fugia dos padrões convencionais”. Exótico pode ser muito bom. Até espetacular. Ou o inverso. Melhor ainda: apenas diferente. Combinado?

Mercedes 300SL Gullwing

Nunca ganhei rifa. Nem sorteio, loteria, bingo, nada. Gastei minha “sorte” em um evento da Mercedes-Benz, em meados dos anos 90. Fiz uma visita ao Classic Center, em Fellbach, pertinho de Stuttgart, onde são restaurados modelos antigos da marca. Lá, a cereja seria um passeio com clássicos após a visita à oficina.

Carros restaurados dos anos 30, 40… e a “Asa”. A Gullwing. A madame. A 300SL “Asa-de-gaivota”. Um dos carros mais míticos da história do automóvel. E não é que sai meu nome pra guiar a 300SL? O test drive tinha umas estradinhas sinuosas e passava por uma autobahn.

Mercedes-Benz 300 SL asa de gaivota com as portas abertas em uma estrada
Mercedes-Benz 300 SL [divulgação]

Assim que entrei na autoestrada, eis que passa por mim um Golf dos anos 80, com a mãe guiando e duas crianças saltitando no banco traseiro. A uns 170 km/h. Apesar de superesportiva, a 300SL foi feita nos anos 50. A direção era tipo setor e rosca sem-fim, como no Fusca. Não tinha folga, e sim férias.

Eu usava duas faixas da estrada para me manter em linha reta… A suspensão traseira usava braços semi-oscilantes, também iguais conceitualmente aos do VW Sedan. Sabe quando você vê um Fusca por trás, numa curva, e a roda de dentro está com enorme variação positiva de cambagem? Pois.

Fui a 170 km/h. E o Golf… abrindo. Eu tinha muito motor para alcançá-la, mas… lembrei dos freios a tambor, da direção, da suspensão traseira, de que eu estava sem cinto de segurança, pois o carro não tinha. Lembrei dos pneus 5.60-15 – a Kombi usava 5.50-15. E lembrei que o modelo valia perto de um milhão de euros. Tirei o pé.

Conclusão bem objetiva: precisava guiar MUITO naquela época. Apesar de estar com um dos carros mais bem construídos na década de 50, acelerá-los requer certa falta de juízo. Fiz teste de carros por muitos anos. Fui piloto. Mas feras, mesmo, eram os caras de 70 anos atrás que andavam no limite com essas “coisas”…

Dodge RAM V10

Em uma viagem aos Estados Unidos, solicitei à assessoria da Chrysler um Dodge RAM 3500 V10 para teste. Foi com ela que aprendi um termo muito usado pelos norte-americanos para definirem a paixão pelas picapes: EGO TRUCK. E ela tinha muito!

Além do motor V10 do Viper, com mais de 8 litros, amansado para “apenas” 300 cv, chamava a atenção a rodagem dupla no eixo traseiro. Os nativos adoravam essa demonstração de testosterona picapiniana.

Dodge Ram SRT10 vermelha de frente
Dodge Ram SRT10 [divulgação]

Cada vez que eu parava pra abastecer – e foram VÁRIAS vezes, como você há de imaginar –, alguém esticava o olho e abria um largo sorriso em sinal de aprovação. Fui a Las Vegas pela I-15 N. Rodei 270 milhas. Na volta, fiz um roteiro mais longo, passando pelo Death Valley, um deserto salinizado que fica abaixo do nível do mar e cerca de 15ºC mais quente que qualquer cidade da vizinhança.

Na beira da estrada, você encontra(va) diversos tonéis abandonados de 2 ou 3 mil litros, usados no tempo em que não existia coolant (aditivo para líquido de arrefecimento do motor) e os motores dos carros ferviam com facilidade. As autoridades deixavam água nos reservatórios para salvar os motoristas.

Dodge Ram SRT10 [divulgação]

Por ser um dos locais ermos do país, aproveitei pra ensaiar algumas arrancadas: no cronômetro, a RAM gastava menos de 8 segundos no 0 a 100 km/h. Só que o ponteiro da gasolina mexia mais rápido que o do velocímetro.

Dauer 962 LeMans

Havia um carro nos anos 90 chamado Dauer 962, réplica dos míticos Porsche 962, que haviam vencido as 24 Horas de Le Mans ininterruptamente entre 1981 e 1987. A fabricante chamava-se Dauer Racing, uma equipe de competição que produzia um carro homologado pra rua.

Essa versão era equipada com motor boxer de 6 cilindros, 3 litros, biturbo, de 720 cv. Detalhe: se a potência não lhe parece tão assustadora… que tal o peso do carro? 1.130 kg. Resultado: ele fazia 0 a 100 km/h em 2,8 segundos. E 0 a 200 km/h em 7 segundos.

Comecei a trocar fax com a fábrica, sediada em Nuremberg, Alemanha, e agendei uma reportagem. O ano era 1995. Cheguei, fotografei, papeei, entrevistei o diretor da fábrica e saí pra andar com o piloto de testes, Hans %$@#&, que havia sido corredor de endurance.

E era um alemão com jeitão bem latino, conforme logo eu descobriria. Estamos numa autobahn a 270 km/h. Ele encosta atrás de uma Ferrari 348. O fulano cisma de acelerar. O Hans sorri e garante: “ele vai parar a 290 km/h. Essa scheisse não passa disso”.

É, amigo. A 348 foi a 290 km/h. E não deu passagem. Pê da vida, o Hans ajusta no painel a pressão do turbo para alguma coisa acima de 1,2 bar e toma certa distância. Aí acelera. Cola na traseira da Ferrari, pega o vácuo, coloca pela direita, emparelha com o infeliz, xinga, gesticula, esbraveja… E “despacha” a Ferrari. Chega a 330 km/h – a máxima declarada do 962 era 403 km/h.

E eu esfregando o ombro no Hans, já que o carro tinha dois lugares, mas originalmente era concebido como monoposto. O detalhe é que o habitáculo era avançado e você posicionava seus pés à frente do eixo dianteiro, quase encostados lá no para-choque. E o cara já tinha andado no vácuo da 348 a quase 300 km/h…

30 km depois de ter saído de Nuremberg, o Hans retorna. Era a minha chance de pedir pra guiar. Ele reluta, mas eu insisto. “Sei não. Esse carro é muito bruto”, dizia. Argumentei que era piloto de Endurance como ele. Isso era verdade.

Eu havia andado nas Mil Milhas de Interlagos em 1994. O Hans nunca tinha ouvido falar de VW Voyage, mas isso era um mero detalhe, até mesmo porque me pus a descrever como era a versão de pista do simpático sedãzinho e, digamos, exagerei um pouco na potência. “Tem uns 450 cv”.

Acabou colando. Eis que saio acelerando aquele demônio, observando o quanto o pedal de embreagem era duro e com curso minúsculo. Você tirava o carro do lugar acima de 3 ou 4 mil rpm. Nunca guiei (e nunca mais vou guiar) um carro com engates de marchas tão curtos – você nem movimentava o braço, mas só a munheca.

Além de colher a sensação de pilotar um autêntico carro de corrida pra escrever a reportagem para a revista Motor Show, eu tinha um desafio pessoal: passar dos 300 km/h. Havia andado a 260 km/h em um Honda NSX, mas numa pista fechada.

Pra encurtar: consegui passar dos 300 km/h. Mantive 310 km/h por 3 ou 4 segundos. E até fiz uma curva bem suave – uma reta torta, na verdade. Lembro que você tinha que desenhar a manobra no volante com notável cuidado e centenas de metros antes. Algo indescritível… Você fica proibido de fazer qualquer movimento brusco. Até para desacelerar eu agia progressivamente.

“Aposto que o Voyage não faz tudo isso”, ironizou o Hans. Não, não fazia mesmo.

Escort RS Cosworth

Como a pista de Viracopos era muito larga, adotávamos um cone como referência de frenagem nos testes de velocidade máxima pra revista Quatro Rodas. Junto comigo, o Ricardo Dilser. Um ajudava ao outro nas medições. Na minha vez de fazer máxima, entrei com o Cosworth na pista: quase 220 km/h no fim da reta.

Detalhe: como havia sido concebido para provas de rali, o Cosworth não tinha velocidade máxima absurda. O mérito do carro era acelerar e retomar muito rapidamente, fruto do turbo e das relações curtas de câmbio. Por isso só chegava a 220 km/h. Foi o único Escort da história com motor longitudinal. Além disso, ele tinha tração permanente nas quatro rodas.

Ford Escort RS Cosworth azul parado de frente
Ford Escort RS Cosworth [divulgação]

Eu já estava a mais de 6.200 giros, em quinta, e o cone não aparecia, não aparecia… Apareceu. Só que a pista acabou. Subi no freio. Ele parou, mas, confesso, fiquei até tonto. Deu algo como 1,1g de desaceleração. Detalhe: o Dilser havia se enganado e colocou o cone a 100 metros, não a 150 m como aquela velocidade exigia.

Peugeot 505 SRi

A única coisa positiva desse sedã era atestar o quanto estávamos melhores com os modelos nacionais (Santana, Monza, Versailles, Tempra) que os argentinos, lá nos idos de 1992. Dito isso, nunca entendi o porquê do 505. O 405 francês, com carroceria 17 ou 18 cm mais curta, também trazido pela marca, já era bem interessante (motor transversal, tração dianteira, décadas mais moderno).

O 505 era um dos símbolos argentinos de “carro velho”. Talvez oferecesse a mesma sensação a eles quando chegavam ao Brasil e viam o Opala…rs. Se bem que o Opala era bonitão. O 505, nossa… Ele deu origem à picape 504 GRD, a diesel, aquela que tinha a inscrição “1,3 toneladas” (sic) na traseira.

Nunca testei um carro que saísse tanto de frente como ele. Você virava, virava, virava e ele insistia em apontar pra fora da curva. O 505 tinha motor 2.2 de 130 cv e tração traseira. Era ruim de guiar e pior ainda pra olhar. Tanto que você não vê um na rua há mais de 30 anos (desde que foi lançado, inclusive).