Astúcia: esperteza e capacidade de não se deixar enganar com facilidade. Também visto como qualidade de alguém que joga limpo e não deixa criar falsas expectativas sobre aquilo que não pode entregar. É uma das palavras que compõem a frase de efeito de Chapolin Colorado, o personagem da TV que tem o mesmo nome da Chevrolet S10 lá fora.
Mas o que tudo isso tem em comum? Tanto Chapolin Colorado quanto a Chevrolet Colorado, conhecida pelos brasileiros como S10, são astutos. Ainda que o personagem de Roberto Bolaños viva se metendo em confusão, enquanto a picape média de fato cumpre aquilo que promete, jogando limpo.
Na história da S10, a grande vilã é a Toyota Hilux, que há um certo tempo roubou sua coroa de líder das picapes médias no Brasil. Contudo, as duas parecem se espelhar uma na outra: já reparou que quando a S10 muda, a Hilux também faz uma plástica? Coincidência ou não, a Chevrolet mudou primeiro que a rival, que só se renovará no final do ano.
A recém apresentada reestilização trouxe novo para-choque com visual mais robusto, grade frontal gigantesca e alterações na mecânica e equipamentos. A traseira é a mesma desde 2012, enquanto o interior refeito em 2016 não mostra sinais de cansaço, tanto que nem mudou.
A única ironia de estilo é que a Chevrolet colocou na S10 High Country de R$ 213.290 o mesmo visual da grade frontal das versões baratas da Silverado norte-americana. Lá fora a irmã maior da Colorado estampa o nome Chevrolet em letras garrafais e desloca a gravatinha dourada, tal qual a S10 High Country, somente nas versões de trabalho.
Hambúrguer com batata frita
Pensada para as grandes fazendas e centros rurais, a Chevrolet S10 foi ficando mais civilizada ao longo do tempo. Ainda é evidente o quanto ela é abrutalhada com seus 5,36 m de comprimento e 1,88 m de largura, que ficam ainda mais evidentes nos grandes centros urbanos, especialmente na hora de estacionar. Mas há facilidades como sensores para todos os lados e direção elétrica.
A S10 tem suspensão macia e confortável, mas que provoca incômodos chacoalhos em asfalto de qualidade ruim. É perceptível o quanto a carroceria balança e luta para se manter no lugar, mas vale dizer que é uma evolução gritante em relação à mesma S10 de dez anos atrás. Ela está mais confortável e fácil de usar no dia a dia, mas seria forçar a barra dizer que anda quase como um sedã.
Com assistência elétrica, a direção ainda não é totalmente leve, e isso não é ruim. Ela tem peso suficiente para tornar seguras as manobras com essa picape com aspiração de caminhão. De reações lentas e com muitas voltas de batente a batente, ela se mostra pronta para ser usada na terra.
E é justamente nesse cenário em que a S10 High Country mais brilha. Enquanto a suspensão pode perturbar o sossego no asfalto pelo constante pula-pula, na terra ela engole as imperfeições como se fossem batatas fritas acompanhadas de um hambúrguer no fast-food preferido dela. Há pouca vibração vindo de fora e boa parte das irregularidades mais graves são absorvidas.
A S10 lida muito bem com buracos e relevos, mesmo em alta velocidade. Nessas situações, é como uma criança feliz e saltitante, o que torna a diversão ao volante ainda maior. Mérito também do bom conjunto de pneus 265/60 R18 que tem boa largura e sulcos prontos para terrenos de pouca aderência.
Patada Bruta
Debaixo do capô da S10 High Country fica o valente e econômico motor 2.8 quatro cilindros turbo diesel de 200 cv e 51 kgfm de torque. Apesar de não ter mexido nos números, a Chevrolet alterou o turbo e a programação eletrônica do motor para entregar torque mais cedo e de maneira mais linear.
O resultado é sentido logo na primeira acelerada. A resposta da S10 a uma pisada mais forte no acelerador é uma patada bruta, ainda que com alguns segundos de delay. Acima dos 2 mil giros, o motor acorda e começa a empurrar a picape de duas toneladas como se ela fosse um hatch compacto.
É nítido o quão ágil é a nova S10, que consegue desenvolver velocidade e fazer retomadas de maneira mais esperta que antes, o que ajuda bastante em ambiente urbano, especialmente para fugir do trânsito.
A Chevrolet também merece elogio pela suavidade e linearidade do conjunto mecânico. Apesar de deixar boa parte do som do motor invadir a cabine (o que, admito, é interessante em um carro diesel), ele pouco transmite vibrações para o motorista. Em outros tempos, a típica tremedeira dos motores diesel era sentida diretamente no volante da S10 e nos bancos, algo que não ocorre hoje.
Outro ponto em que a S10 é mais bruta do que suave é em sua transmissão. Ela entrega trocas relativamente pouco nítidas quando está avançando de marcha, contudo nas reduções ela tende a dar inexplicáveis trancos vez ou outra. Ao menos o câmbio automático de seis marchas entende bem o que o motorista quer fazer e conta até com uma interessante função de freio motor acionada automaticamente em declives.
Há também outros mimos eletrônicos como sistema de frenagem autônoma de emergência. Antes de tomar qualquer atitude, o aparato emite um som alto e pisca luzes vermelhas na direção do motorista para que ele identifique o perigo à frente. Em duas situações durante nossos testes, a S10 deu alarme falso em ruas praticamente desertas, mas não chegou a brecar sozinha.
O que parece ter ficado pela metade é o alerta de invasão de faixa, que nada faz além de sinalizar sonoramente que o motorista está ultrapassando sua área designada na via. A S10 ainda conta com câmera de ré de alta definição – extremamente útil em manobras – e partida remota que inexplicavelmente não está associada a uma chave presencial.
Complexo de Cruze
Apesar de ter mantido a mesma cabine de 2016, a Chevrolet S10 está dentro da realidade do mercado. Não tem o melhor acabamento da categoria, mas está longe de ser uma das piores, especialmente por conta do uso de couro em toda parte frontal do painel e em partes da porta.
Os comandos são de fácil acesso e intuitivo. Ponto para a Chevrolet por usar teclas grandes que facilitam a operação e combinam com o tamanho abrutalhado da picape. A central multimídia é que ficou parecendo pequena no contexto geral, ainda que a tela tenha ótima definição e ela seja muito fácil de usar.
Destaque na nova S10 em relação aos demais carros da Chevrolet, superando, inclusive, o recém-lançado Tracker (testado aqui no Auto+) é a capacidade de fazer conexão sem fio com Android Auto e Apple CarPlay de maneira rápida e fluida. Além disso, há wi-fi com conexão rápida para diversos celulares.
A S10 tem posição de dirigir ruim, é preciso admitir. O volante é muito colado no painel, o que obriga deixar as pernas mais próximas e dobradas para poder dirigir corretamente, já que não há ajuste de profundidade no volante. Se você é alto como eu, vai sofrer para achar uma posição realmente confortável, enquanto motoristas mais baixos terão mais facilidade. Não seria ruim também se o banco pudesse baixar um pouco mais do que o que é permitido pelo ajuste elétrico.
Veredicto
Cada vez mais equipadas e civilizadas, as picapes médias atendem a um público que busca a robustez e versatilidade desse tipo de veículo com o luxo que se faz necessário na faixa dos R$ 200 mil. Apesar de ir bem na cidade e estrada, ela claramente se sente mais à vontade no campo e na terra.
A Chevrolet S10 High Country tem vantagem de preço inegável frente às suas rivais que passam dos R$ 220 mil para entregar o mesmo nível de equipamentos. Não é a mais tecnologia da categoria, a melhor no asfalto ou a melhor na terra, mas sim a mais versátil entre elas, já que entrega um conjunto equilibrado e eficiente em todas essas situações. É feita para aqueles que precisam de muitos carros em uma só caminhonete.
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