O ano era 1992, Salão de Turim. Há poucos meses a Fiat havia apresentado o novo Cinquecento, o sucessor do subcompacto 126 (menor que o brasileiro 147). E ele ainda era um produto novo no portfólio da marca italiana. Para chamar a atenção dos visitantes do Salão a Fiat apresentou oito conceitos, todos baseados no pequeno Cinquecento. E mal sabia que esse carro um dia se tornaria o Chery QQ.
Só que o rolo é ainda maior: a marca italiana ali mostraria um carro que não daria origem a um Fiat, mas sim a um hatch da Daewoo, que depois foi vendido pela Chevrolet e, 20 anos depois, seria copiado pela chinesa Chery que até o produziu no Brasil.
Pensado na Fiat
Quando a Fiat propôs a criação de conceitos baseados no subcompacto Cinquecento no Salão do Automóvel de Turim de 1992, a marca lançou o desafio a vários estúdios de design. Entre versões conversível, picape, van, esportivo e até bugue, o modelo que mais se destacou foi o monovolume desenvolvido pela Italdesign.
O design foi assinado por Giorgetto Giugiaro um dos patronos do design automotivo mundial. O italiano foi responsável por inúmeros ícones da indústria, como o VW Golf de primeira geração, Lamborghini Gallardo, Fiat Uno e o último Punto.
O modelo surfava na onda dos monovolumes e minivans, que eram moda na época tal qual os SUVs são hoje. Aproveitava a plataforma do Cinquecento, entregava mais espaço interno e linhas arredondadas inspiradas no Fiat 500 original. Até mesmo teto de tecido ele trazia como homenagem ao modelo clássico.
O projeto agradou tanto à Fiat que a Italdesign fez uma pequena revisão de design com novos faróis redondos e, finalmente um interior. Instalou até uma motorização híbrida bastante precária, que garantia 8 horas de modo híbrido, 50 km de autonomia em modo elétrico e velocidade máxima de somente 100 km/h.
Agora chamado de Concept Luciolla, o projeto da Italdesign não ganhou luz verde na Fiat, mas isso não impediu a Giurgiaro de vender sua ideia a outra marca. E é aí que a Daewoo aparece. Ao lado de Kia e Hyundai, a Daewoo era uma próspera montadora sul-coreana dos anos 1990 e 2000.
Nascido na Daewoo
Na época da apresentação do Luciolla, a Daewoo buscava uma alternativa para substituir o já envelhecido Tico, derivado de um projeto Suzuki. Para chegar às linhas de produção como Daewoo Matiz, pouco foi mudado: a marca coreana transformou o hatch em um quatro portas, deixou de lado a ideia de um teto de tecido e simplificou o interior.
Estava pronta a fórmula do Matiz que foi produzido interruptamente entre 1998 e 2005 na Coreia do Sul, ganhando sobrevida na Polônia até 2007, Romênia até 2008 e no Uzbequistão até 2016.
Em 2000 o Daewoo Matiz recebeu sua primeira transformação visual com novos faróis redondos maiores, para-choques mais esportivos e placa reposicionada para a tampa do porta-malas. Nessa época ele era oferecido com motor 0.8 ou 1.0 gasolina, com opção de câmbio automático de três marchas no modelo mais potente.
Evoluído como Chevrolet
Mas não seria somente a Daewoo a única marca a fabricar o pequeno Matiz em sua primeira geração. Ele também foi oferecido pelas marcas FSO, Formosa, Ravon, Pontiac, Baojun e Chevrolet. Irônico pensar que no início dos anos 2000, Chevrolet e Fiat eram parceiras no desenvolvimento de motores e plataformas.
Em 2005, quando o Matiz já completava sete anos, a situação da Daewoo era delicada. A marca estava falindo e foi comprada pela General Motors. Com a estratégia global de expandir a atuação da Chevrolet, os modelos da marca coreana migraram para a norte-americana, o que coincidiu com o lançamento da segunda geração do Matiz.
Segunda geração, na verdade, não passa de uma reestilização bastante profunda realizada sobre o modelo original. Nenhuma chapa da carroceria foi mantida, em uma estratégia muito semelhante à aplicada com Renault Sandero e Hyundai HB20 quando mudaram de geração.
O agora Chevrolet Matiz trouxe design mais moderno, com linhas mais fortes na lateral, lanterna traseira redonda e interior simplificado. O Matiz ganhou painel central, acabamento de plástico rígido mais simples e passou a ser vendido também no México como um Pontiac.
Essa geração durou até 2009, quando a Chevrolet apresentou o Spark, modelo que substituiu o Matiz em todo o mundo. Era um projeto original da marca da gravata dourada, não um Daewoo reestilizado ou um Fiat reaproveitado. Ele morreu em 2022 como parte da estratégia da GM em investir em SUVs, picapes e elétricos.
O Chevrolet Spark é menor que o Onix e foi cogitado para o Brasil como substituto do Celta, mas o projeto não avançou. Na Índia e México chegou a contar com uma versão sedã batizada de Essentia. Ele foi vendido também pela Ravon e Holden, além de ter adotado nomes como Matiz, Beat, Barina Spark e Joy (ironicamente o nome do antigo Onix).
Clonado pela Chery
E se você pensou que a história do Fiat que virou Daewoo e depois se transformou em Chevrolet já estava confusa o suficiente, há um novo capítulo e uma nova marca envolvida: a Chery.
O início dos anos 2000 foi um período de transição das marcas chinesas. Elas ainda estavam aprendendo a fazer carros (que começaram a ser vendidos para o público comum somente nos anos 1980). Nessa época a prática de copiar modelos internacionais de sucesso era corriqueira até mesmo por marcas que hoje são gigantes.
Não diferente de suas conterrâneas, a Chery já foi uma marca que copiava o que outras faziam. Só que um de seus modelos mais emblemáticos fez parte desse grupo: o QQ. Vendido e produzido no Brasil, o subcompacto era uma versão 25 de março do Daewoo Matiz. De tão descarado, era possível encaixar a porta de um Matiz em um QQ e vice-versa sem nenhum problema.
Os faróis redondos do Matiz estavam presentes também no QQ, mas havia um pouco de originalidade na dianteira por conta de seu simpático sorriso. A traseira, porém, não negava a origem, visto que o desenho das lanternas tinha apenas formato invertido. Até mesmo a parte interna era igual.
Antes de mudar de verdade, o Chery QQ passou por uma pesada reestilização que não chegou a ser vendida no Brasil. Nós pulamos direto para a segunda geração, essa com nova plataforma e design inspirado no QQ original. Ele foi produzido no Brasil até 2019, quando a CAOA Chery decidiu apostar em SUVs e sedãs, deixando o mercado de entrada de lado. Na China, foi descontinuado, mas seu nome foi reaproveitado em uma linha de microcarros elétricos.
>>Fiat Scudo 2024 ganha nova cor e mais versatilidade
>>Jetour T-3: o SUV elétrico da Chery de 1.300 cv e portas invertidas