Desde que a segunda geração do Peugeot 208 estreou no Brasil, uma crítica foi unanime a ele: a falta de motor turbo. Tudo bem que o 1.6 aspirado é suficiente para ele e até econômico, mas não tem o mesmo ímpeto dos rivais Hyundai HB20, Chevrolet Onix e VW Polo com seus 1.0 três cilindros turbo.
O que deixa os brasileiros ainda mais araras da vida é saber que na Europa e até na Argentina, o Peugeot 208 conta com uma versão 1.2 THP que nunca será vendida no Brasil. Mas há uma maneira de ter o hatch da marca francesa com mais diversão que qualquer um de seus rivais nacionais e de quebra com acabamento impressionantemente bom: basta pagar o dobro.
Traduzindo, deixará de levar para casa o Peugeot 208 Griffe de R$ 112.790 para levar o e-208 GT de R$ 265.990. Troca também o motor 1.6 flex por um elétrico e o RG do hatch compacto deixa de ser emitido na Argentina para ganhar passaporte da Eslováquia. Mas você pode dizer Europa para ficar mais chique.
Porém, custar o dobro quer dizer gastar duas vezes mais? Ai que entra o truque. O e-208 tem revisões feitas somente a cada 20 mil km com custo de R$ 701 cada, independentemente da quilometragem. Já o modelo flex faz paradas a cada 10 mil km com custo variado. Até os 60 mil km, custará R$ 4.771, enquanto o elétrico desembolsa metade: R$ 2.103.
O custo de abastecimento também é menor. Na ponta do lápis, um 208 1.6 roda até 353 km com etanol na cidade. Já o elétrico tem autonomia de 340 km em ciclo misto. Dá para dizer que rodam a mesma coisa na cidade. Durante os testes, inclusive, ele rodou 330 km com uma carga completa. Mas ao usar na estrada, manteve média de 315 km.
Pensando em valores, o 208 1.6 te custará R$ 249,10 se o litro do etanol estiver R$ 5,30. Já o e-208 te cobrará R$ 0, já que a maioria dos eletropostos são gratuitos. Se tiver que desembolsar algo, no máximo você pagará o estacionamento do shopping ou R$ 40 se carregar em casa, já que ele conta com tomada doméstica (mas que demora um século para carregar quase nada).
Um, dois e três
Se em custos o 208 elétrico deixa o 1.6 para trás, apesar de custar o dobro, na hora de acelerar a sensação é a mesma. São 136 cv e 26,5 kgfm de torque, ou seja, potência pouco acima dos modelos 1.0 turbo, mas torque praticamente igual ao 1.4 TSI da Volkswagen. Lembrando que o modelo flex tem 118 cv e 15,5 kgfm.
Só que como o Peugeot e-208 acelera depende do modo selecionado. Em Normal ele é um carro esperto, andando como um hatch compacto 1.0 turbinado com uma dose de pimenta a mais, mas sem ser arisco. Já em Eco, a força é cortada quase que em um terço do que pode no modo normal: nitidamente capado. Aqui ele até se parece com o 208 1.6 flex.
Ao colocar no modo Sport ele se transforma. É ali que consegue chegar aos 100 km/h em 8,3 segundos. As acelerações são patadas e o pedal do acelerador fica bastante sensível. É um foguetinho que faz lembrar o raríssimo, mas apreciado, 208 GT da geração anterior que tinha motor 1.6 THP.
O que irrita um pouco no e-208 é a atuação do freio regenerativo. Ele não permite ser desativado totalmente, curiosamente não funcionando somente quando está com 100% da bateria. Desligar o regenerativo permitiria ao Peugeot rodar em descidas e em retas apenas com a gravidade ou inércia, economizando mais.
A força regenerativa aumenta de acordo com a velocidade do carro, sendo sensível em velocidades urbanas e um tanto quanto brusca na estrada. E isso se intensifica ainda mais com o câmbio na posição B, justamente a que serve para preservar ao máximo as baterias. A posição, aliás, faz com que o acelerador exija mais curso para fazer o 208 ganhar velocidade.
Piso plano
Para melhorar a aerodinâmica, o Peugeot e-208 conta com cobertura em toda parte inferior da carroceria. Ela, junto da suspensão mais baixa padrão europeu, faz com que o hatch raspe com frequência em lombadas mais pontiagudas. A cobertura também ajuda a preservar as baterias, que ficam na parte inferior do Peugeot e até roubaram parte do espaço do estepe.
Esse layout fez com que o centro de gravidade dele ficasse mais baixo, já que as baterias são pesadas e concentradas em um ponto baixo. Dinamicamente isso se traduz em um carro ainda mais na mão, porque o Peugeot 208 é bom de curva. Aponta e ele vai, quase como um pequeno kart ou um modelo da Mini.
Ele é bom de curva e amplia essa sensação ainda mais por conta do delicioso volante pequeno com peso bem calibrado. Ele tem assistência elétrica e sabe dosar o peso correto: leve nas manobras e bastante pesado em alta velocidade. Como o torque do elétrico é instantâneo, em arrancadas, ele chega a sambar um pouco e ficar com volante mais leve do que deveria.
Como é um carro mais pesado e padrão europeu, o Peugeot e-208 tem suspensão mais durinha. Não chega à dureza do BMW M440i do último teste aqui do Auto+, mas é um carro nitidamente mais firme. Algo como um hatch médio esportivo como um Golf GTI, por exemplo. Carro que, aliás, o 208 elétrico daria um certo trabalho.
Além do mais
Um dos grandes elogios ao Peugeot 208 Griffe é a quantidade de tecnologia embarcada, mas saiba que o e-208 GT vai além. Ele tem piloto automático adaptativo (um pouco brusco nas acelerações e frenagens, mas que funciona bem), sistema de manutenção em faixa com correção de volante, frenagem autônoma de emergência e alerta de ponto cego.
Se junta à lista de itens de série itens de conforto ausentes no Griffe equipamentos como bancos dianteiros com aquecimento, sensor de estacionamento dianteiro, luz de neblina traseira, banco traseiro bipartido, rebatimento elétrico dos retrovisores e freio de estacionamento elétrico.
Ambos, porém, tem teto solar panorâmico, faróis full-LED com regulagem automática de altura e luz alta automática, central multimídia com Android Auto e Apple CarPlay, sensor de ré e câmera de ré (com qualidade péssima, diga-se de passagem), indicador de fadiga, controle de tração e estabilidade, seis airbags e chave presencial por proximidade.
E ah, nem preciso falar sobre beleza, não é? Isso é item de série no Peugeot 208 desde sempre. Que carro bonito! Em especial no GT com essa chamativa e estonteante cor amarela perolizada adornada por itens exclusivos da versão como para-lamas com cobertura preto brilhante, teto preto, grade na cor da carroceria e rodas de 17 polegadas.
Euro-spec
Outro ponto no qual o Peugeot 208 sempre foi elogiado é em acabamento. Se a versão flex já faz um Volkswagen Polo passar vergonha pela qualidade dos materiais, o GT importado faz o modelo a combustão ficar chateado. Tudo que é bom no hatch argentino é ainda melhor no eslovaco.
Começa pelo painel totalmente emborrachado com direito a costuras verdes e brancas. As portas dianteiras tem puxadores de couro e maior área com material macio, além de maçaneta diferente. Os bancos são melhores, com espuma mais confortável e uma elegante mistura de couro preto com tecido e suede cinza.
O que é comum a eles é o belíssimo painel de instrumentos 3D, ainda que o elétrico tenha mais modos. O volante pequeno de base reta é o grande charme dos Peugeot, sendo que o elétrico tem emblema GT e couro perfurado de mais qualidade. Muda ainda o console central, que é mais alto e vistoso, com direito a manopla de câmbio do 3008 e freio elétrico.
Luzes de LED ajudam a dar mais elegância ao interior e podem ser configuradas em cores diferentes. Já a central merece destaque. Ela é mais larga, com tela de melhor qualidade e bem mais rápida que a mequetrefe usada no 208 flex. Tem Android Auto e Apple CarPlay via cabo que ocupam só metade da tela, já que as bordas ficam com os atalhos para comandos do ar.
Agora, o problema de todo 208 segue no elétrico: espaço interno. O piso no lado do passageiro é alto e recuado. Além disso, ele é apertado para quem se senta atrás, especialmente quando um motorista alto como eu (1,87 m de altura) precisa se sentar mais baixo e deitado por conta da posição de dirigir típica da Peugeot.
O banco traseiro vira praticamente objeto de decoração ou segundo porta-malas para ampliar os 265 litros de capacidade lá de trás. Ao menos quem está na segunda fileira tem vidros escurecidos de série, duas entradas USB e uma vista privilegiada do teto panorâmico, que sempre foi o charme dos modelos da marca francesa.
Veredicto
Típico caso de pagar a mais e levar mais, o Peugeot e-208 GT entrega, de fato, o dobro do modelo 1.6 Griffe topo de linha. Tanto em equipamentos, quanto em performance, vale ressaltar. Além disso, tem custo de manutenção que (ironicamente) custa a metade, com o benefício de poder ser abastecido de graça – durante uma semana não paguei um real para carregar ele.
O acabamento é digno de um carro premium, com direito a um interior diferente do usual e que te faz sentir especial. Já a performance é divertida, mas nada de outro mundo ou que tirará seu baço do lugar como alguns elétricos. Só que o Peugeot e-208 GT tem dois grandes problemas.
O menos grave é que o brasileiro é extremamente chato com a Peugeot e ainda tem um preconceito besta, mas forte, com a marca. O segundo se chama Volvo XC40 Recharge Plus P6. Por R$ 40 mil a mais, você leva um SUV da Volvo, com mais autonomia, tecnologia, performance, refinamento e status.
Por mais que o e-208 seja um excelente carro (e ele é), no território dos elétricos é difícil argumentar contra um Volvo pouca coisa mais caro. Até porque quem tem R$ 265.990 para um Peugeot e-208 GT, consegue juntar R$ 309.950 e levar um Volvo XC40 Recharge Plus P6.
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